O cheiro de intrusas: Entendendo as abelhas limão, um grupo fascinante de abelhas sem ferrão

As abelhas sem ferrão são importantes polinizadoras e um grupo altamente diversificado de abelhas neotropicais. No Brasil, por exemplo, muitas espécies coexistem no mesmo ambiente. Mas nem tudo são flores. Algumas espécies de abelhas sem ferrão vivem em uma guerra silenciosa, envolvendo invasões de ninhos e roubo de alimentos. Vamos explorar um grupo intrigante de abelhas: as Lestrimelitta, também conhecidas como abelhas limão.

Autora: Ana Paula Cipriano
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Invadir colônias vizinhas para roubar comida ou até mesmo para estabelecer uma nova casa é comum em abelhas sociais e pode acontecer com muitas espécies diferentes, incluindo as abelhas melíferas. O lado positivo é ter acesso fácil a alimentos, especialmente em ambientes altamente competitivos. Porém, invadir outras colônias pode aumentar o risco de transmissão de patógenos e resultar em ataques das abelhas sendo invadidas. As decisões de forrageamento devem ser feitas diariamente pelas operárias, e as escolhas podem depender da disponibilidade de alimentos no entorno do ninho.

Se as abelhas têm uma abundância de flores próximas às suas colônias, por que arriscar e roubar comida de outros ninhos? Para algumas abelhas sem ferrão, isso não é uma escolha. O gênero neotropical Letrimelitta tem cerca de 23 espécies e são cleptoparasitas. As abelhas desse grupo não visitam flores, mas coletam recursos roubando os ninhos de outras abelhas. Devido ao seu estilo de vida, essas abelhas têm algumas diferenças em sua morfologia, como mandíbulas fortes para lutar contra as operárias das colônias invadidas e modificações em suas corbículas, uma região na perna da abelha usada para transportar pólen e material de nidificação, por exemplo.

A dimensão dos ataques em relação à morte das operárias pode depender muito da espécie atacada. Uma das abelhas sem ferrão mais comuns usadas na meliponicultura no Brasil, Tetragonisca angustula ou ‘Jataí’, pode sofrer perdas devastadoras quando atacada por abelhas limão. Por outro lado, as abelhas Lestrimelitta também perdem forrageiras em ataques, especialmente quando encontram espécies agressivas como Trigona. Além disso, a mortalidade das abelhas não é o único problema enfrentado por colônias atacadas, pois o ninho pode morrer se a maioria de seus recursos alimentares for roubada.

As abelhas cleptoparasitas geralmente iniciam seu trabalho com algumas forrageiras tentando localizar um ninho potencial para atacar. Durante esse processo, elas identificam um alvo e começam a recrutar suas companheiras de ninho para ajudar e organizar um ataque bem sucedido. Um componente químico importante que ajuda as abelhas limão a guiar as outras operárias do ninho é o citral, que provavelmente funciona como um feromônio com a função de recrutamento. Esse feromônio tem cheiro de limão, motivo pelo qual essas abelhas são popularmente conhecidas como ‘abelhas limão’. O citral também pode desempenhar outra função crucial no processo do ataque, atuando como uma barreira para as operárias do ninho sendo saqueado. Essas operárias podem reagir ao citral e evitam entrar em seu próprio ninho por um tempo, ficando em vez disso próximas à entrada, sobrevoando.

Os ataques podem durar de horas a semanas, com o objetivo principal de coletar o máximo de recursos possível da colônia roubada. Curiosamente, a mesma colmeia pode ser atacada muitas vezes, o que sugere um processo memorizado pelas abelhas limão. Por outro lado, as hospedeiras também podem aprender a se proteger desses ataques, focando em salvar suas operárias e recursos. Por exemplo, as operárias de Plebeia (abelha mirim) ou Nannotrigona (abelha iraí) podem tolerar os ataques e, ao invés de lutar com as abelhas limão, podem tentar salvar alguns dos recursos da colônia ingerindo o alimento líquido e se escondendo até o fim do ataque. Neste contexto, diferentes espécies têm estratégias de defesa que incluem deposição de resina, comportamento de guarda e ninhos camuflados.

Uma ótima maneira de lidar com as abelhas limão e outros predadores em ambientes naturais é evitar o ataque. Em ambientes naturais, algumas abelhas sem ferrão podem construir seus ninhos no solo e com entradas pequenas e discretas, o que as torna menos perceptíveis para outros animais. Além disso, as abelhas Jataí, por exemplo, têm guardas especializadas, as soldadas, que são maiores em tamanho em comparação com as operárias e ficam próximas ao tubo de entrada, sempre prontas para chamar mais guardas se precisarem enfrentar um inimigo. Por fim, algumas abelhas Melipona, como a Melipona seminigra (uruçu-boca-de-renda), protegem seus ninhos adicionando bolinhas de barro e bloqueando a entrada durante as invasões dos ninhos.

As estratégias de defesa contra abelhas limão podem ser diversas, representando a incrível diversidade de espécies de abelhas sem ferrão. Esta guerra silenciosa é um comportamento complexo que tem atuado como uma força de mudanças entre as espécies de abelhas sem ferrão, semelhante a uma corrida na qual as cleptoparasitas e as abelhas hospedeiras desenvolvem estratégias para manter seus recursos e garantir a sobrevivência de suas colônias.

Em ambientes modificados pelo ser humano, como meliponários, as regras deste jogo podem ser diferentes, já que a densidade de colônias é muito maior do que no ambiente natural. Como cidadãos e cientistas, temos o papel importante de entender nossos impactos nos recursos naturais e como esses traços comportamentais estão mudando. Devido à sua enorme diversidade, ainda temos muito a aprender com as abelhas sem ferrão, com o objetivo final de proteger sua existência e seus serviços ecológicos cruciais: a polinização de nossos biomas.

Bibliografia

Grüter, C., 2020. Stingless bees: their behaviour, ecology and evolution. Springer Nature.

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