Uma oficina presencial de Agrofloresta veio para florescer ainda mais o Programa Polinizadores, cinco dias intensos na aldeia Tukapehy, do povo Suruí Aikewara, para o fortalecimento da autonomia indígena e sua soberania alimentar.
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Autores: Ana Rosa de Lima e Lucas José Beviláqua
Durante os dias 27 a 31 de agosto de 2024 aconteceu a Oficina de Agrofloresta na Aldeia Tukapehy. O evento foi realizado com o esforço de várias parcerias, como das lideranças da aldeia Tukapehy, Terriwery e Arukapé Suruí (um dos bolsistas do Programa Polinizadores), os facilitadores Lucas José Aquavila (facilitador das atividades de Agrofloresta do Programa Polinizadores) e Rafael Lopes (um dos facilitadores da Oficina de Agrofloresta na terra indígena Araribóia), com financiamento vindo do governo alemão através do Schmitz Stiftung e da cooperação com a organização indígena Okaara Kaapora, além de financiamento da vindo do programa Polinizadores da Meli, com financiamento de parceiros como a organização Tamlapais Trust.
O Arukapé iniciou suas atividades na Rede da Meli através da sua participação na oficina de Agrofloresta de 2023, que aconteceu na aldeia Zutiwa, território Araribóia. Ao retornar para o seu território ele logo compartilhou técnicas que aprendeu durante a oficina com seu engajado time da aldeia Tukapehy, sempre mostrando o grande interesse em trazer uma oficina semelhante para a sua comunidade. A sua grande dedicação fez com que a sua aldeia fosse o cenário da terceira Oficina anual de Agrofloresta realizada pela Meli.
Dia 6 de dezembro de 2024 acontecerá o lançamento do minidocumentário Cultivando a Autonomia, feito durante a oficina de Agrofloresta na aldeia Tukapehy. Com essas imagens podemos nos aproximar desse povo tão forte, que protege a floresta Amazônica em meio a uma região tão desmatada.
Registre para participar do lançamento: https://forms.office.com/e/7HskzrWTZ4
Preparações Finais
Para a preparação do evento a diretora geral da Meli, Ana Rosa, chegou na aldeia já no final do dia 23 de agosto, sendo recebida com um delicioso jantar regado com muita conversa, preparando para iniciar as atividades de preparação da oficina no dia seguinte.
Durante os dias 24, 25 e 26 de agosto, já em meio a majestosa força da Amazônia, nos preparamos para a oficina, nos debroçando com questões de logística e planejamento.
Na primeira manhã da Ana na aldeia Tukapehy, ela foi guiada por um grupo de mulheres Aikewara na caminhada pela área que seu povo preparou, no meio da floresta, onde as aulas iriam acontecer. Esse foi um lindo momento no qual ela pode ouvir histórias sobre a conexão entre a biodiversidade local que essas mulheres trazem consigo: lembranças inspiradoras com várias das espécies observadas durante a caminhada.
Uma importante atividade de preparação se deu ao ouvir as lideranças da aldeia Tukapehy e definir as regras e recomendações de comportamento para os próximos dias. Para que a oficina seja proveitosa, é fundamental respeitar os donos da casa e se abrir para uma troca sadia e construtiva.
Entre as preparações do evento, no dia 25 de agosto, visitamos a uma aldeia Guarani e uma comunidade ribeirinha no Pedral do Lourenço. Conversamos bastante com algumas lideranças da aldeia Guarani, tentando conhecer melhor a situação local. Uma parenta se juntou ao grupo, com mãe Guarani e pai Aikewara, além do interesse em Agrofloresta, ela mostrou querer fortalecer suas raízes de união entre os povos no sudeste paraense. A oficina estava se iniciando.
Seguimos para o Pedral do Lourenço, encontrar com comunidades ribeirinhas impactadas por uma obra de derrocagem de um rio Amazônico. Foi lindo ver a interação entre o povo Suruí Aikewara e a comunidade ribeirinha. Mesmo vendo seus rios secando e tendo perdido acesso até ao rio Sororó, que dá nome ao seu território, o povo Suruí ainda mantém a conexão com os rios e o gosto pelos peixes. Houve uma troca: os Suruí levaram caça e receberam pescados, afirmando a importância de manter a tradição das trocas entre comunidades.
Primeiro dia
Em uma clareira no meio da mata, iniciamos a oficina compartilhando sus objetivos e ouvindo a fala de algumas das diversas lideranças das 17 aldeias presentes. Se registraram mais de 80 participantes, vindos dos povos Suruí Aikewara, Guarani, Guajajara, Gavião e Parakanã e de comunidades extrativista a ribeirinhas.
Durante a tarde fizemos apresentações teóricas dos princípios da agrofloresta na escola local, utilizando espécies da região como exemplos. Houve uma boa conversa entre os participantes e facilitadores, para sanar dúvidas sobre plantios consorciados. Foram apresentamos os conceitos de estratificação e sucessão ecológica e conversamos também sobre a importância da cobertura do solo.
Em seguida, saímos em grupo para visitar os plantios de bananeira e mandioca da comunidade, áreas onde o Arukapé já havia colocado em prática técnicas agroflorestais que aprendeu na oficina do ano anterior. Ele aproveitou para fazer demonstrações e compartilhar esse conhecimento com o restante dos participantes.
Segundo dia
Durante o segundo dia, definimos o local da agrofloresta a ser desenvolvida, em uma área ao lado da escola. A área fica na entrada da aldeia, as vistas de todos que entrarem na comunidade e ao mesmo tempo servindo de referência para os alunos da escola. A agrofloresta também se beneficiou da estrutura de água da escola, que pode permitir a instalação de irrigação para os plantios no período de seca.
Já pela manhã trabalhamos em grupo para preparar o solo para o plantio, conversamos sobre as vantagens e desvantagens de preparar o solo com trator. Fizeramos a roçagem da vegetação espontânea com roçadeira manual, a marcação dos canteiros de árvores, a preparação dos canteiros.
Coletamos a camada de solo mais rica da capoeira no entorno da área e incorporamos nos canteiros como uma adubação. Essa é uma forma simples de trazer microrganismos como fungos e bactérias, e até algumas sementes presentes no solo da região, para trazer mais vida para os novos canteiros.
Durante a tarde do mesmo dia, Rafael Lopes compartilhou sobre a técnica JADAM, para multiplicar os micro-organismos no solo, encontrados na terra da mata. Dessa forma foram utilizados recursos locais para aumentar a produtividade das áreas de plantio.
Ainda na sombra da clareira da mata, fizemos o desenho dos consórcios que pretendemos plantar nos canteiros de árvores, levando em consideração as mudas disponíveis e o interesse da comunidade. Lembramos também da importância de introduzirmos árvores para poda nos sistemas agroflorestais, pois assim não precisamos trazer madeira de fora nos manejos futuros.
A madeira dos troncos adicionados nas laterais dos canteiros servirá de adubação a longo prazo, ajudará a manter a umidade no solo e a temperatura mais baixa. Ela é muito para o desenvolvimento dos fungos. Em seguida a palhada da vegetação roçada para cobrir as madeiras nas laterais. Assim, todo recurso disponível é utilizado.
No momento de coleta de matéria orgânica para preparar o solo, um grupo de mulheres sugeriu adicionar paú da mata, que tradicionalmente já é usado pelo povo Suruí Aikewara. Foi mais um momento mostrando como técnicas agroflorestais são técnicas indígenas. Paú da mata é uma madeira em decomposição, ótima para esfarelar e colocar no centro dos canteiros, junto com as folhas.
Assim cobrimos os canteiros com matéria orgânica: materiais mais grossos ficam nas laterais, e os mais finos no centro dos canteiros, facilitando o plantio das mudas e sementes. Ao final do dia, preparamos e cobrimos 6 canteiros de árvores de 20 metros cada.
Terceiro dia
Fomos até o bananal para retirar cerca de 24 mudas de bananeiras para o plantio na agrofloresta. Um representante de cada etnia mostrou como fazem para retirar as mudas de bananeira. Todos prepararam os rizomas de bananeira para o plantio. Explicamos as vantagens de plantar o rizoma, como a maior resistência à falta de chuvas no plantio, o melhor enraizamento das bananeiras e a redução do peso para o transporte das mudas.
Praticamos as técnicas de manejo das bananeiras e explicamos a importância de abrir os pseudocaules e organizar no solo, trazendo água para as frutíferas mais exigentes e servindo de armadilha para o besouro da broca. Todos praticaram também a técnica de fazer o copinho no rizoma no momento da colheita das bananeiras. Assim, podemos ver se o rizoma está com saúde e a nódoa da bananeira preencherá essa cuia formada, impedindo que o besouro da broca coloque os ovos ali. Durante a tarde plantamos bananas e mandiocas. Com as bananas abrimos os berços dos rizomas.
Coletamos sementes de caju, jurubeba, urucum, pau preto, ingá, paricá, mulungu, açaí do mato, açaí precoce. Em pouco tempo andando pela aldeia encontramos muitas sementes disponíveis. Ainda pela manhã caminhamos com a Terrywera no quintal que ela plantou com cupu, cacau, ingá, manga, canela, laranja, limão, açaí e outras árvores. Conversamos sobre as possibilidades de manejo das árvores e plantio de mais frutíferas como o cacau na sombra.
Quarto dia
Pela manhã abrimos os berços com a cavadeira e plantamos as mudas de árvores (cacau, açaí, jatobá, cupu, jaca, moringa, ingá). Após plantar as mudas, introduzimos as sementes separadas de ingá, caju, jatobá, moringa e feijão-de-porco.Por fim, preparamos a muvuca de sementes com urucum, feijão-guandú, crotalária, mamão, jurubeba, pau preto e milho. Na muvuca, as sementes são misturadas com terra e plantadas juntas. Conforme se desenvolvem, as plantas mais fortes são escolhidas, e o restante vira adubação do solo.
Para proteger as mudas que vieram de um viveiro com sombrite, os moradores locais trouxeram a ótima sugestão de usar folhar de palmeiras. Essa proteção ajudou até se adaptarem ao novo ambiente. Na tarde do quarto dia preparamos as entrelinhas para o plantio e instalamos o sistema de irrigação nas entrelinhas.
Quinto dia
No canteiro central fizemos berços para o mamão, onde concentramos cinzas de fogueira e plantamos manivas de mandioca. Cada grupo plantou as mandiocas de acordo com a forma que estão acostumados. Assim, foram plantadas entrelinhas com os costumes de cada povo presente: Suruí, Guajajara, Guarany e Parakanã. Plantamos mandioca, mamão, quiabo, gergelim, feijão e milho.
No último dia aplicamos o JADAM que já estava pronto na área toda, usando regadores. Para finalizar o trabalho, buscamos mais galhos verdes no entorno da área, e picamos para cobrir todos os canteiros das entrelinhas. No final da manhã do quinto dia conseguimos deixar a área toda coberta.
No total foram 120 metros de canteiros de árvores e 300 metros de canteiros nas entrelinhas. Fizemos um encerramento na clareira da mata com depoimentos dos participantes e finalizamos com trocas de sementes.
Você pode ter acesso ao relatório técnico completo aqui.
Essa foi uma oficina onde o povo Suruí Aikewara mostrou a sua liderança e forte articulação na região, e onde a autonomia desse povo pode ser ainda mais fortalecida. Estamos ansiosos para continuar o trabalho com a aldeia Tukapehy!
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