De Trem Pela Amazônia

Viajando entre São Luís (Maranhão) e Parauapebas (Pará) nós podemos ver o avanço de práticas não-sustentáveis invadindo a Amazônia. Esse momento da nossa aventura (online) é de reflexão.

Autor: Ana Rosa
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Trem do Carajás
Foto: Fabian Kron (CC BY-ND 2.0 license)

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Ainda na ilha

Apesar de existirem poucos trens passando pelo território brasileiro, é possível continuar nossa viagem pela Amazônia por meio de uma estrada de ferro. Mês passado visitamos São Luís, a capital do estado do Maranhão, entrando na região Amazônica pelo seu leste. A cidade se encontra no litoral e, além das belíssimas praias, conta também com um porto conectado ao mundo. Grandes navios são personagens constantes nas principais praias da ilha.

O terminal marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís, conecta o minério vindo da região de Carajás a compradores de diversas partes do globo. E para chegar até o porto, esse minério foi transportado pelo “trem da Vale”, como é conhecido. Além do transporte de minérios, a mesma linha é usada também por um trem de passageiros. Esse trem percorre o trajeto entre São Luís-MA (estação “Anjo da Guarda”) e Parauapebas-PA três vezes por semana em cada direção.

Esse trem nos leva a duas das principais regiões de foco da Meli: Leste do Maranhão e Sudeste do Pará. Nessa região, a existência do Arco do Desmatamento fica bem clara. Boa parte da viagem encontramos pastos, e plantações de monoculturas, como eucalipto e soja. Estamos em uma área de fronteira, onde práticas não sustentáveis tem adentrado cada vez mais a Amazônia.

Veja o desenvolvimento do desmatamento na região durante as últimas décadas:

1984

2000

2018

Development of the “Arc of Deforestation” from 1984-2018 according to Google Timelapse.

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Fronteira Amazônica

Durante uma conversa com o professor Evandro Medeiros conseguimos concretizar bem a imagem  dessa região como uma área de fronteira. Ele é professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Unifesspa, e um dos idealizadores do Festival Internacional Amazônida de Cinema de Fronteira, o FIA Cinefront*. Ele esteve entre as cerca de 30 pessoas que protestaram em uma área livre e tolerada circulação de pessoas e veículos no trilho da Estrada de Ferro Carajás, em solidariedade às vítimas do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco controlada pela  Vale e pela BHP Billiton em Mariana-MG. A Vale apontou então o professor como líder do movimento e o processou por impedir ou perturbar os serviços da estrada de ferro. Após quase cinco anos e diversos episódios, o caso foi encerrado e vencido pelo professor.  

Poderíamos esperar que esse fosse um caso isolado, mas a empresa processou judicialmente mais de 170 pessoas no Pará e Maranhão que se envolveram em manifestações críticas contra as consequências de suas atividades. Principalmente em manifestações que resultassem no bloqueio da ferrovia, ainda que simbolicamente.

Em conversa com o professor Evandro Medeiros, ele relembra: “Autoridades públicas da cidade usaram frases como ‘o trem que leva a riqueza, traz a miséria’ para justificar a descabida proposta de proibição à chegada, desembarque e entrada de população migrante na cidade via Ferrovia Carajás por vereadores de Marabá-PA.”, se referindo à ida do minério e a entrada dos migrantes vindos do estado vizinho. Evandro completa “afora os interesses políticos desprezíveis que frases se vinculavam, de fundo existia e ainda existe nelas uma verdade, a atividade de exploração e exportação mineral nessa região da Amazônia Oriental geram impactos e contradições socioambientais cuja gravidade não há como se esconder: do buraco e devastação florestal que restarão da mina a céu aberto à violência e violação de direitos contra os mais pobres (sem-terras, sem tetos, sem empregos etc), num cenário de explosão demográfica e crescimento desordenado de cidades sem infraestruturas, serviços e empregos, que fazem dessa uma região no geral de baixo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.”

*Aproveito para fazer um parêntese e recomendar o filme Pureza, presente esse ano no festival.

Foto: Alexandra Duarte

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O ambiente

O professor também afirma que para a construção da estrada de ferro “se utilizava até bem pouco tempo atrás dormentes de madeira nobre oriundos da derrubada de milhares de árvores da floresta amazônica, algo que me confessou um ex-funcionário da Mineradora Vale que atuava na manutenção dos trilhos da ferrovia”. O professor continua relatando essa conversa, “ele me disse também que a mudança se fez não por conta da afirmação de uma responsabilidade ecológica da empresa, mas por reconhecerem que o assassinato da Irmã Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, chamaria atenção do mundo para o desmatamento florestal e, por consequência, isso acabaria chegando até as atividades da mineradora”.

A estrada de ferro passa por territórios indígenas, quilombos e 22 unidades de conservação. Os impactos à fauna e à flora de áreas de preservação em meio a uma região de tanto desmatamento incluem impactos à comunidade no seu entorno, barulho e morte de animais por atropelamento.

Para comportar o aumento da quantidade de minério a ser transportado, suprindo a necessidade mundial por metais, a ferrovia passa por um processo de duplicação. Grande parte do percurso já foi duplicado e pode acontecer devido a concessão da Licença de Instalação (LI) emitida pelo IBAMA em 2012. Mas a estrada de ferro passa pelos territórios indígenas Mãe Maria (Pará) e Carú (Maranhão) e as obras nessas áreas são submetidas a uma legislação específica. Por isso, só em 4 de dezembro de 2015 os trabalhos foram autorizados no Território indígena Carú e as obras no território indígena Mãe Maria ainda estão em fase de negociação

Dentro e fora de territórios indígenas, a passagem dos vagões, abertos e cheios de minério, faz com que seu pó caia por onde ele passa. Isso abre portas para possíveis contaminações das áreas próximas ao trilho, inclusive de rios e lagos. Em lugares como Piquiá de Baixo, as famílias sofrem com o rejeito do minério de ferro e do ferro gusa vindo das siderúrgicas locais.

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Às margens

Evandro Medeiros lembra que milhares de pessoas são impactadas pela poluição sonora e vivem em bairros de periferia e comunidades pobres às margens da Ferrovia Carajás.

Vida que Passa
Foto: Fabian Kron (CC BY-ND 2.0 license)

De acordo com o professor, as construções devido a duplicação da estrada de ferro resultou que “comunidades foram isoladas e populações tiveram seu livre trânsito impedido devido a duplicação da ferrovia; ruas e terrenos das casas em muitos lugares passaram a sofrer com inundações consequente do represamento das águas das chuvas por parte do muro de segurança da ferrovia; viadutos foram construídos desrespeitando áreas de moradias e determinando vias únicas de entrada e saídas aos bairros; moradores são tiveram casas destruídas pela intensa trepidação causada pelo aumento do ir e vir dos trens de carga com extensão de mais de 300 vagões e 3,5 km de extensão.”

Para quem faz esse percurso de trem, mesmo que só online, resta a reflexão sobre os impactos sofridos nas últimas décadas pela região onde estamos entrando.

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