Polinização e espionagem: você sabia que as abelhas sem ferrão podem ser ótimas espiãs? 

No Brasil nós temos mais de 300 espécies de abelhas sem ferrão e a pesquisa com esses polinizadores é muito importante para que possamos entender a nossa biodiversidade e proteger a natureza ao nosso redor! A pesquisadora Ana Paula Cipriano nos explica um pouco do seu trabalho com as abelhas! 

Autora: Ana Paula Cipriano
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As abelhas sem ferrão, também conhecidas como Meliponini, precisam de uma grande organização para realizar todas as tarefas necessárias para a sua sobrevivência, como a defesa dos ninhos e a obtenção de alimentos. E, quando uma abelha está procurando flores para coletar néctar ou pólen, você sabe como ela escolhe onde pousar?  

Inicialmente, é importante entender como ocorre a comunicação entre as abelhas, já que elas não possuem uma linguagem falada e muito menos escrita para transmitir informações. Uma sinalização muito eficiente que algumas espécies de abelhas utilizam para se comunicar é a química, utilizando compostos muito pequenos que podem ser depositados nas folhas e flores ao redor dos ninhos. Um grupo desses compostos químicos pode ser chamado de feromônio. Por exemplo, quando nós pegamos uma abelha na mão, ou chegamos perto dos ninhos, elas liberam um cheiro característico e muitas outras abelhas começam a chegar também, nós podemos chamar esse composto de feromônio de alerta: é um sinal de que essas abelhas e os seus ninhos podem estar em perigo!  

Ao procurar por alimentos nas flores, as abelhas também utilizam um feromônio, mas nesse caso ele é chamado de feromônio de trilha. Ou seja, é um cheiro utilizado para traçar o caminho para as flores e guiar as outras abelhas do ninho, mostrando para elas qual a direção para a comida. Nesse caso, temos que lembrar que no Brasil há uma grande diversidade de espécies diferentes de abelhas sem ferrão e é esperado que elas se encontrem nas flores, muitas vezes competindo pelos alimentos. 

Para entendermos melhor a situação, vamos nos imaginar em uma grande feira de rua, na qual estamos caminhando para buscar comida e ao mesmo tempo estamos sentindo vários perfumes misturados das pessoas que também estão ali. Se em uma das barracas tem muitas pessoas, o cheiro do perfume fica muito mais forte e então nós sabemos que aquele local está muito cheio e vamos competir para comprar o tomate mais bonito, por exemplo. Agora pense que algumas pessoas sempre competem para conseguir o tomate e elas todas usam o mesmo perfume, e nós conseguimos reconhecer que a pessoa com aquele cheiro em específico, é também muito brava! Se nós somos pessoas mais tranquilas, e não queremos briga, nós devemos evitar aquelas pessoas, certo? E foi exatamente esse raciocínio que eu quis estudar com as abelhas sem ferrão durante a minha pesquisa de TCC em Ciências Biológicas. 

O objetivo central do meu projeto era entender se as abelhas com diferentes estratégias para procurar comida conseguiriam detectar o cheiro de abelhas mais agressivas e evitariam as flores com esses compostos químicos, como uma forma de evitar conflito e conseguir o seu alimento! Para isso, eu estudei duas espécies de abelhas nativas, a Plebeia droryana, também conhecida como abelha mirim, e a Melipona scutellaris, popularmente chamada de uruçu nordestina. Essas 2 espécies de abelhas sem ferrão são conhecidas como não agressivas e buscam por alimentos em grupos pequenos, ou seja, elas não dominam as flores quando estão buscando comidas para o ninho.

Para testar se essas duas espécies de abelhas reconhecem e evitam o cheiro de outras abelhas que visitam as flores em grandes grupos, reconhecidas por dominarem essas flores, nós utilizamos o cheiro de duas espécies, a Trigona spinipes – conhecida como arapuá, uma daquelas abelhas que sempre grudam no cabelo, e a Trigona recursa, popularmente conhecida como feiticeira.  A arapuá é considerada agressiva, enquanto a feiticeira, apesar de dominar as flores com muitas abelhas do mesmo ninho, não são agressivas. Estudando essas espécies, nós fomos capazes de testar se as abelhas sem ferrão conseguem detectar qual espécie está na flor quando elas estão escolhendo o alimento e se essa escolha pode representar um perigo para elas, como por exemplo um conflito entre as operárias.  

Os experimentos foram realizados com as abelhas mirins e depois com as uruçus nordestinas. As operárias eram treinadas para visitar flores artificiais contendo uma mistura de água com açúcar. Quando essas operárias já estavam visitando as flores artificiais em um número bom, o feromônio de trilha de uma das espécies de Trigonas era adicionado. Nós registramos o comportamento das abelhas e verificamos que tanto as mirins, quanto as uruçus nordestinas preferem não visitar as flores com o cheiro da arapuá quando este era apresentado em uma maior quantidade. Já o cheiro representando a feiticeira não causou nenhuma reação diferente nessas abelhas. Portanto, verificamos que elas conseguem diferenciar os cheiros e podem evitar o conflito de competir por uma flor com várias outras operárias de espécies que são consideradas agressivas. As operárias podem aumentar a eficiência na busca por alimentos ao procurar flores que estão livres de outras competidoras.  

Podemos considerar que as operárias das abelhas nativas que estão procurando as flores são como espiãs, já que elas investigam o ambiente ao seu redor, analisam o cheiro das outras espécies de abelhas que também estão visitando as flores, e então tomam a decisão de procurar outras flores que não representem uma competição.

Os resultados da pesquisa indicam que os fatores que guiam as diferentes espécies de abelhas sem ferrão para a escolha das flores são diversos e que elas possuem uma alta capacidade de identificar cheiros, mesmo em um ambiente com tantas interações. Quando visitam as flores para obter alimentos para os seus ninhos, essas abelhas indígenas realizam o importante trabalho da polinização, que é essencial para a regeneração e a conservação da nossa biodiversidade. Para saber mais sobre esse incrível mundo das abelhas sem ferrão, a grande inspiração para a Meli, continue acompanhando o nosso blog e redes sociais. 

A pesquisa foi realizada na Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, no Laboratório de Comportamento e Ecologia de Insetos Sociais, coordenado pelo professor Dr. Fabio Santos do Nascimento, com colaboração do Dr. Lucas von Zuben e financiamento da FAPESP [processo: 2014/24230-8]

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