Panorama da verdadeira “guerra civil” lutada na Amazônia contra o coronavírus e o governo fascista que o propaga.
Autor: Gabriel Costa
Foto de título: Cícero Pedrosa Neto/ Amazônia Real
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Existe um monumento na Espanha chamado “Vale dos Caídos”. Ele foi erguido em honra aos mortos do maior conflito armado espanhol, sua Guerra Civil de 1936-1939. Conflito vencido pelos fascistas, comandados pelo general Francisco Franco. O monumento passa hoje por um processo de “limpeza” onde o legado fascista é apagado e são dados significados mais condizentes com a democracia espanhola.
Mas, o que a Covid na Amazônia tem a ver com isso? Bem, ao meu ver tem tudo. Também travamos uma guerra civil aqui, muito mais insidiosa, não mais lutada com bombas ou fuzis, mas com máscaras, vacinas e vírus. Os fascistas no poder novamente atacam brutalmente em sua guerra contra os mais pobres. Na figura de um presidente, temos também o nosso Francisco Franco, também ex-militar, também apoiado por denominações religiosas, também um tradicionalista e também afeito a guerra civil. O seu governo usa os mesmos lemas da contraparte espanhola, o “Deus, Pátria e Família”.
A ideia central da política presidencial é a seguinte: deixar que grande parte da população se infecte e contar com uma suposta imunidade natural das pessoas após a infecção, a famosa “imunidade de rebanho”. Ideia fundamentalmente falha, já que a imunidade natural ao vírus não se mostrou duradoura. Falha também porque admite, como estratégia de governo, que alguns milhares de pessoas morram, para que essa imunidade seja alcançada. Não vai demorar muito para que ergamos o nosso próprio monumento “o Igarapé dos Caidos”, já que dificilmente temos vales na geografia amazônica.
Em nossa região já empobrecida, que conta com os menores índices socioeconômicos, a estratégia se mostra brutal e o distanciamento social aos moldes europeus é uma utopia distante. O governo federal vem sabotando todas as medidas em âmbito local, de estados e municípios. Afetando sobretudo aos mais pobres, obrigados a se expor e propositalmente deixados sem meio de sobrevivência, tendo como alento apenas as “fake news” e as promessas de curas milagrosas, sem respaldo científico nenhum, como uma série de medicamentos do “kit covid” distribuído pelo próprio Ministério da Saúde.
As notícias de nosso front doméstico
A Amazônia Brasileira é de longe uma das regiões mais afetadas. Manaus, maior cidade do Amazonas, sofreu por duas vezes o inferno na terra. Tão simbólico quanto o bombardeio de Guernica na Espanha, foi a falta de oxigênio, prevista com semanas de antecedência pela prestadora do serviço, durante o último pico da doença em Fevereiro e Março deste ano. Simbólico também foram as valas coletivas abertas para enterrar os mortos em massa. Com o colapso de Manaus, caia também o Amazonas, já que quase todos os leitos de UTI do estado estavam concentrados na cidade. Além dos 354.000 mil casos, das quase 13 mil mortes e taxa de letalidade de aproximadamente 3,5% o estado cultivou as condições necessárias para o surgimento de novas “formas” ou variantes do vírus. A temida variante P1 foi detectada pela primeira vez em pessoas vindas da cidade que concentra dois fatores para a evolução de um vírus que escape da imunidade: altas taxas de infecção pela doença e descontrole total da circulação de pessoas.
A situação dos outros estados também não é das melhores: o Amapá superou recentemente a marca dos 100 mil casos, com aproximadamente 1400 mortes e uma taxa de letalidade de 1,3%. O estado enfrentou também, ano passado, um grande apagão que durou mais de 20 dias e deixou grande parte do estado sem luz e sem água. O Acre, por sua vez, concentra 60 mil casos e aproximadamente 1100 mortes. O estado teve que lidar, somente esse ano com uma epidemia de Dengue com mais de 1500 casos, inundações catastróficas que alagaram cidades como Cruzeiro do Sul e uma crise migratória na fronteira do Peru, onde imigrantes Haitianos tentam deixar o Brasil, mas impedidos pela polícia Peruana, agora estão largados à própria sorte em acampamentos precários na fronteira. Para arrematar, Rondônia tem 194 mil casos, com aproximadamente 4500 mortes, Roraima tem aproximadamente 91 mil casos, com 1400 mortes e Tocantins possui 145 mil casos com 2200 mortes.
Especialmente, no Pará, já são quase 11 mil mortos, com 430 mil casos confirmados desde o início da pandemia. Segundo os dados da Secretaria de Saúde do estado, 5 municípios concentram os casos: Belém, Parauapebas, Santarém, Ananindeua e Marabá. O grosso dos casos e mortes afetou sobretudo homens pardos, uma das parcelas historicamente mais negligenciadas da sociedade paraense.
No momento, todo o estado está em fase vermelha, com diversas cidades, incluindo a capital, Belém, saindo ou entrando em “Lockdown”. Um lockdown precário, onde apenas 50% da população se manteve em casa. Outras cidades, na região Sudeste do Estado, como Parauapebas, Canaã dos Carajás, Altamira e minha cidade natal, Marabá, ensejam o mesmo em meio a um colapso dos sistemas funerários e de saúde com apenas 94 leitos de UTI vagos em todo o estado.
Nas unidades de saúde de toda a região, se desenrolam cenas de um filme de catástrofe, gritos de pacientes se misturam ao desespero dos profissionais de saúde, que se veem obrigados a suportar uma rotina de trabalho degradante, atendendo pacientes de maneira improvisada em cadeiras de espera, macas, cadeiras de plastico, dobrando ou triplicando pontos de oxigênio. Muitas vezes, pela geografia extensa da região, pacientes são obrigados a viajar intermináveis horas em agonia, de barco ou de ônibus, das cidades menores do interior, até os grandes polos de atendimento regional.
Falta material para a fabricação de caixões. Em Belém, o único cemitério público da cidade está exumando restos mortais não reclamados pelas famílias para abrir espaço à infeliz demanda constante de jazigos. As pesadas palavras de um dos coveiros ilustram a situação: “choramos por detrás das nossas máscaras”.
O nosso contra-ataque
A situação no estado e na região é complicada. Mas ainda resistimos. O estado do Pará adotou as medidas de fechamento possível, e instituiu um pacote de recursos que deve injetar 500 milhões de reais na economia local. Junto com isso criou um pacote de transferência de renda para auxiliar diversas categorias, como ambulantes e garçons, no valor de até 500 reais, e incrementou outros programas sociais do Governo Federal com o “renda Pará”, que destina 100 reais para famílias já assistidas pelo bolsa família. Em Belém, outro programa encabeçado pela prefeitura, chamado “Bora Belém”, também iniciou seu pagamento de até 400 reais a famílias não assistidas por nenhum outro programa social.
Ao passo que a vacinação também avança, o Amazonas é o estado que mais vacinou na região, já tendo aplicado, entre 1° e 2° doses, cerca de 600.000 mil vacinas, Entretanto, o ritmo segue lento no Pará, um dos estados que menos recebeu doses de vacinas. Situação parcialmente revertida no dia 02 com a chegada de novas doses que somam agora 1.331.090 de doses. Belém foi a primeira capital brasileira a vacinar idosos até 60 anos. No interior, diversos municípios iniciaram a vacinação de idosos com 60 anos ou mais.
Enquanto a vacina não vem em quantidade suficiente e os números de hospitalizados não normaliza, o leitor pode ajudar bastante, evitando aglomerações, usando máscaras, sobretudo as PFF2 (link nas referências), cobrando as autoridades públicas e combatendo as muitas “fake news” que circulam pelas redes sociais. Ajude nessa luta, e como diriam os republicanos espanhóis, nem o coronavírus, e nem os fascistas passarão.
Referências
Números de leitos, óbitos e casos do Pará
Situação das vacinas
Auxilios
Auxilios
Máscaras PFF2 e como se proteger
Dados covid
O vale dos Caídos
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