Francisco Guajajara liderou uma Roda de Conversa com o restante da Rede e todos ficamos impressionados com a sua sabedoria. Mas ele fala com muita simplicidade, basta olhar as respostas na natureza e ouvir os mais velhos com atenção.
Autora: Ana Rosa
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No dia 11 de agosto de 2023, Francisco Guajajara, morador da aldeia Zutiwa e líder dos brigadistas da região Lago Branco, TI Araribóia, compartilhou um pouco da sua experiência com o restante da Rede Meli. A pequena roda de conversa contou com 10 participantes, de cinco comunidades da Rede, quatro delas indígenas.
O Francisco iniciou sua fala compartilhando sobre a sua participação na brigada da região Lago Branco, a mais nova do território Araribóia. Lá, ele lidera um grupo de 17 outros motivados brigadistas indígenas treinados a prevenir e combater incêndios florestais. O grupo está ativo há pouco mais de dois meses, mas já desenvolve muitas atividades para evitar a entrada de incêndios. Dentre eles, a queima prescrita e o mapeamento da produção local, que ocorre quando os brigadistas entram em contato com os parentes e compartilham também outras informações sobre como prevenir os incêndios.
As áreas localizadas nas beiras das estradas que cortam o território são especialmente perigosas, por serem secas e pontos de entrada de capim, protagonista no alastramento de incêndios florestais. Esse grande problema já tinha sido relatado também por outas comunidades da Rede e foi muito interessante ouvir a solução do Francisco para isso. Ele reiterou que o capim é um problema, por se propagar muito rápido, mas vê que a própria biodiversidade local apresenta as soluções: “a mucura preta sufoca o capim e mantém a umidade do solo”, compartilhou com o grupo.
Foto: Francisco Neto Guajajara ao lado de uma das suas colmeias
Neste ano, devido a uma previsão de bastante seca devido ao El Niño, os brigadistas terão bastante trabalho, relata Francisco na conversa. O Willy Hagi, meteorologista com mestrado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, confirmou em conversa no grupo. “O El Niño acende o alerta para uma série de riscos climáticos na Amazônia. (…) [Como] a potencial falta de chuvas com a formação de uma Seca de grande intensidade e o aumento da temperatura em toda a região. [O El Niño de 2023] está previsto para ser um dos mais fortes do século até o momento,” ele continuou. Após os encontros, essas e outras conversas continuam entre os quase 200 participantes do grupo “Rede Meli”.
A prevenção a incêndios na TI Araribóia já tem mostrado resultados. Francisco compartilhou que nesse ano que não tem tido queimadas e as caças já estão voltando a chegar pertinho! É incrível como a resposta da natureza é rápida.
Foto: Brigadistas da Região Lago Branco, estabelecendo roças com princípios da Agrofloresta.
Nas áreas onde as queimadas já aconteceram, ele tem trabalhado na recuperação da mata. A união do conhecimento Guajajara com as técnicas de agricultura sintrópica que os não-indígenas têm estudado nos ajuda bastante nesses momentos. O Francisco disse estar aplicando várias práticas que aprendeu na oficina sobre agricultura regenerativa da Meli em 2022, que aconteceu comunidade Frei Henri. Esse ano, a oficina será realizada na aldeia Zutiua e irá apoiar o plantio em várias aldeia do território! O professor da oficina que está chegando, Rafael Lopes, diz “Indígena sabe plantar em um solo bom, solo de floresta, solo rico. Ele não sabe trabalhar em solo degradado, porque não é da prática do indígena a degradação”. O Rafa tem experiência auxiliando o estabelecimento de sistemas agroflorestais, como por exemplo com o povo Guarani, em São Paulo.
No entanto, a fase de “clímax” dos sistemas agroflorestais é bem conhecida pelos povos indígenas. “Eu deixo o mato crescer e não é por preguiça! É para a terra respirar e crescer!” compartilhou o Francisco, mostrando que o que muitas vezes foi julgado como “preguiça” pelo preconceito de não indígenas tem um significado muito maior. O Jonas Guajajara, seu irmão nos conta “nosso avô não usava fogo na roça dele, sempre o vimos trabalhar assim”. Vemos mais um exemplo de sabedoria indígena muito avançada no que os sistemas de agricultura sintrópica estão agora começando a estruturar para os não-indígenas.
O Francisco compartilhou uma visão que quer fortalecer em seu território: a de gerar renda de modo sustentável, da natureza do território. Ele disse que muitos parentes se perguntam “como me sustentar na aldeia, se só tem emprego na cidade?”. Francisco tem apresentado várias opções, como a venda de mudas feitas com sementes encontradas em grande quantidade na Araribóia.
Foto: Mudas produzidas da TI Araribóia
É lindo ver como a sabedoria do Francisco faz com que ele compartilhe informações sempre com muita simplicidade, mostrando que as respostas estão na natureza, basta olhar com cuidado. O compartilhamento de conhecimentos para ele acontece naturalmente e pode fazer a diferença para quem ouve com atenção. Nesse momento da conversa, ele falou mais sobre a sua atividade de produção de mudas e vieram muitas perguntas dos outros participantes da conversa sobre a quebra de dormência das sementes mais duras e difíceis de plantar. Ele compartilhou o passo a passo para cada uma.
Ficamos impressionados com tamanha sabedoria. Ele disse que “[é porquê eu] gosto muito de me atentar os mais velhos”. Essa troca multi-geracional é muito poderosa. “Os anciões diziam que eles não estariam aqui no futuro” compartilhou o Francisco, falando como os mais velhos deixaram clara a responsabilidade dos jovens, como ele. “Antes era sobre a demarcação da terra, agora é sobre a preservação dela”, ele nos disse contando dos diferentes desafios que vem enfrentando na Araribóia. A demarcação do território, mesmo que muito menor que a área onde eles tinham acesso, já foi feita e assegurou direitos básicos, mas que continuam constantemente sendo ameaçados até hoje.
Foto: TI Araribóia
Essas trocas com os mais velhos fortaleceu o seu interesse pela natureza, desde muito jovem. Ele relatou o seu interesse particular pelas abelhas, grande motivação para o seu trabalho. “Dá pra sentir o sabor do pequi ou do ipê amarelo” ele nos conta, descrevendo a variação do sabor do mel de acordo com a época da florada. Ao observar as abelhas, especialmente das espécies Uruçu-boca-de-renda, Uruço-boi, Uruçu preta, Tiúba, ele montou um calendário sobre as flores no território Araribóia de acordo com o mês, um trabalho tão lindo que emocionou vários participantes e nos deixou com a missão de digitalizar esse conteúdo e inspirar outros participantes da Rede. O Vavá Terena disse “durante meus estudos na escola ou na universidade, eu nunca colei, mas eu vou copiar a sua atividade e fazer um calendário parecido, com meus alunos indígenas aqui no Pantanal”.
Trocas como essa inspiram nosso trabalho e mostram a força de uma Rede de Impacto!
2 Replies to “Encontro de Comunidades: Francisco Guajajara ”