Meli Crônica: O que você sente ao entrar na floresta?

Autor: Gabriel Costa
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Era uma quente e abafada manhã de agosto, a voadeira deslizava, de modo não tão suave, sobre as águas cor de café da Baía do Rio Caixuanã, Melgaço, Pará. Nas margens, as grandes árvores por detrás das prainhas de areia fina lembravam muralhas, como as impenetráveis muralhas de uma nova Constantinopla. A mente, entre os solavancos, me vinham os versos do poeta Pablo Neruda: “sou filho das mais amplas solidões do mundo (…)”. 

Mas, essa breve noção assustadora, a Amazônia como um “inferno verde” foi rapidamente suplantada. As “impenetráveis muralhas” caíram frente aos abundantes trapiches e casas de madeira que começaram a surgir ao final da baia. De dentro delas era possível ver as cenas prosaicas do homem amazônico, suas redes, cadeiras, antenas de tv e internet, crianças brincando e idosos observando o vai e vem dos barcos. A Amazônia é, na realidade, uma floresta urbana, como dizia geógrafa Berta Becker.

Ao chegarmos ao trapiche de ferro da estação, uma sensação me pairava sobre a cabeça, eu, apesar de amazônida e já graduado em biologia, nunca havia estado tão fundo na selva. A grande cidade mais próxima era Portel há 5 ou 6 horas de barco dali, embora houvesse uma série de vilas e comunidades dentro da Floresta Nacional de Caxiuanã, criada em 1961 e local da confortável base avançada e do Museu Goeldi, a estação ecológica Ferreira Penna, local desse curso de campo que me levara até ali.

Porém, não vou tratar de aspectos científicos aqui. Vou tratar de uma experiência mais intimista, que todos que visitam a Amazônia deveriam ter: a entrada na floresta. Um ato aparentemente trivial, mas, a meu ver que tem grandes repercussões e acaba por mudar o modo com o que vemos a natureza. A primeira impressão que tive foi a de que tudo parecia se comportar como um grande organismo vivo, se alimentando do calor e energia do sol, respirando profundamente em abundante umidade, de fato a transpiração das plantas amazônicas gera grande parte das chuvas na américa do sul, e se reproduzindo em uma abundância desconcertante de formas.

Árvores de 40 metros tocavam-se as copas, como se segurassem as mãos, e dividiam suas sombras com toda sorte de cipós, palmeiras e ervas. Tudo estava conectado e a selva dava a impressão de nós receber com suas sentinelas: o canto do namorador (Lipaugus vociferans), as picadas de formigas, às vezes, o olhar curioso de macacos e saguis e porque não, talvez da mãe do mato ou da matinta. Não é difícil se deixar levar por nossas histórias de visagem. Estranhamente, ao caminhar naquelas trilhas pisadas também por onças, tatus, quatis, porcos do mato, jacamins, lagartos e cachorros vinagres eu me sentia em casa.

À noite, que cai rápido nessas baixas latitudes, trouxe outras percepções mais sinestésicas e menos visuais. A floresta tem um cheiro próprio: uma cornucópia de odores, das grandes e cheirosas flores que se abrem para atrair morcegos até a terra molhada pela chuva quase constante. Tudo isso embalado pelos sons dos sapos, insetos e pássaros. O breu  é total. O chão, coberto por uma grossa camada de folhas, parece se mexer com a miríade de aranhas e insetos que correm sobre ele. Isso só não é mais espantoso, que o denso céu estrelado, longe da poluição luminosa das cidades.   

Duas semanas se passaram, com a experimentação diria dessas sensações únicas em meio a estafante rotina de trabalho. Mas, para além dos pequenos cortes, arranhões e picadas de inseto a estada na estação e as caminhadas na floresta me deixaram com outras marcas. Comecei a entender o porquê de as culturas tradicionais considerarem a natureza sagrada. Quando se presencia cotidianamente os viveres, as tragédias particulares e as pequenas glórias dos ciclos de vida e morte da Amazônia, não e difícil espelhar a própria pequeneza do homem frente tamanha diversidade. Uma percepção que falta a tão “moderna” civilização ocidental. Ao homem, como conclusão dessa crônica, resta o reconhecimento de que não é possível sobreviver na floresta, mas sim, conviver- como já faziam os indígenas milhares de anos antes do europeu- com a selva, reconhecendo primeiro seu lugar e sua pequeneza.  

Por fim, recomendo a todos que puderem, repetirem a minha experiência. 

Referência da foto: Cezar Favacho, Floresta Nacional de Caxiuanã

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6 Replies to “Meli Crônica: O que você sente ao entrar na floresta?”

  1. Experiência sensacional, hein!!
    Estar em contato com a natureza é bom demais!! Sempre me traz sensação de paz e regeneração interna!
    E ainda mais neste caso, quando se trata de conexão com o nosso bioma de origem, parece uma super experiência de autoconhecimento, encontros com ancestraliedade com um misto de aventura e desbravamento do desconhecido e imenso canto a nossa casa !

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