Desvende os laços inovadores entre a matemática e a alimentação em um projeto premiado, liderado por Kukuy Apurinã. Em parceria com a Meli, o jovem visionário mostra que é hora de cultivar conexões entre conhecimento, tradição e nutrição na Amazônia brasileira.
Autora: Ivi Pauli
Read in English
Já imaginou a potência que reside na união entre o cultivo de alimentos frescos em uma horta escolar comunitária e o intrigante universo da matemática, no coração pulsante da Amazônia brasileira? Premiado na Feira Estadual de Matemática do Acre, o projeto inovador de Kukuy “Geometria e Proporcionalidade na Construção da Horta Escolar na Aldeia Kamapã”, desenvolvido em colaboração com seu povo Apurinã e a Rede Meli, busca revitalizar o ensino da matemática tradicional indígena, enquanto aprimora a merenda escolar na Escola São Miguel.
“Toda vez que eu passava por ali, retornado da minha aldeia para estar na cidade para estudar, eu pensava que precisava ajudar. Então um dia eu parei lá e fizemos uma oficina onde o cacique e a professora me contaram que o povo estava sofrendo com diabetes e a água era pouca e poluída pela atividade agrícola das terras vizinhas. Concordamos que uma horta escolar com um poço seria um excelente início, um ponto de encontro para a comunidade se fortalecer e começar a construir um futuro mais promissor.”
Kukuy Apurinã
Ao escolher a licenciatura plena em matemática, Kukuy descobriu a fascinante área da etnomatemática e foi muito além das fórmulas tradicionais. Consciente da importância de integrar saberes locais e tradicionais à disciplina para promover a diversidade cultural, Kukuy planeja compartilhar suas modelagens com os professores. Essa iniciativa visa oferecer uma base sólida para a compreensão de conceitos como geometria, proporcionalidade e estatísticas que serão aplicados no planejamento, construção e manutenção da horta. Centrada na comunidade e no desenvolvimento local, a metodologia envolve a participação ativa de alunos, professores, famílias e lideranças indígenas desde a construção até o acompanhamento técnico e gestão financeira do projeto.
Em fase de implantação, a aderência ao projeto piloto é notável. O Cacique, animado, ressaltou a responsabilidade dos mais velhos em transmitir práticas tradicionais, enquanto a professora enxerga na horta uma oportunidade de proporcionar alimentação saudável às crianças. A ênfase na transparência reflete uma abordagem culturalmente sensível, centrada nas pessoas, promovendo confiança e respeito. Ao prestar contas à comunidade e pela sua presença diária, Kukuy constrói uma relação participativa e respeitosa, alinhada aos princípios de co-criação e envolvimento comunitário, destacando a satisfação da comunidade como medida de sucesso, com impactos positivos na qualidade de vida e saúde mental dos Apurinãs.
Historicamente, a região testemunhou a formação de grandes aldeias durante o primeiro ciclo da borracha em 1905, quase dizimadas pelo sarampo. Desafios contemporâneos, como a contaminação do rio por agrotóxicos e queimadas nas fazendas vizinhas, impactam a vegetação e polinizadores cruciais, como zangões, essenciais para as castanheiras, causando danos ambientais.
“O local do projeto não é apenas uma terra, é um tesouro de conhecimento; e este projeto não é apenas uma horta, é uma tentativa de resgatar a história viva que se entrelaça com as raízes dessa comunidade resiliente.”
Kukuy Apurinã
A aldeia Kamapã, já foi guardiã do maior herbário da América Latina, premiado internacionalmente, enfrentando a triste perda de 70% desse patrimônio devido a incêndios. Outra curiosidade, é que o nome da aldeia homenageia duas guerreiras fundamentais na medicina indígena, cujo legado é preservado pelo atual cacique, neto de uma delas. Kukuy destaca que esses conhecimentos sobre ervas medicinais serão cuidadosamente integrados ao ambiente ao redor da horta, desempenhando um papel crucial no projeto.
A jornada acadêmica de Kukuy o levou a transcender os limites da sua comunidade em busca de conhecimento em centros urbanos, trazendo desafios consideráveis ao equilibrar seu ambiente tradicional com o acadêmico. Apesar de viver momentos de retração devido aos preconceitos associados aos povos indígenas, ele nunca considerou abandonar sua identidade nem seu povo. Com muita determinação Kukuy reconhece que o conhecimento traz consigo o “poder da caneta” e sente o dever de ocupar espaços e contribuir para a mudança. Diante dos desafios, ele mantém a convicção na importância de representar seu povo, contar sua história e desafiar estereótipos.
“Agora, mais do que nunca, sinto a responsabilidade de voltar à minha comunidade e compartilhar o conhecimento adquirido para impulsionar nosso povo. É o momento de remar juntos, usando o conhecimento tanto da academia quanto da tradição para ocupar os lugares que nos são de direito. É hora de quebrar estigmas e falar por nós mesmos, mostrando que somos capazes de alcançar grandes feitos e contribuir significativamente para a sociedade.”
Kukuy Apurinã
Inspirada pela convicção de Kukuy, a comunidade se compromete a revitalizar sua história e cultura por meio da horta escolar, solidificando uma conexão profunda com suas raízes ancestrais. A parceria com a Meli oferece visibilidade e uma oportunidade de colaboração para enfrentar os desafios. A organização comunitária impulsionada pelo projeto atraiu o interesse da Secretaria Municipal de Educação de Boca do Acre, garantindo apoio e melhorias na escola. Enquanto se prepara para o mestrado em Matemática, o jovem vislumbra um futuro impulsionado pela interseção entre a matemática e a produção de alimentos, promovendo soberania alimentar e sustentabilidade. Esses temas guiam sua jornada, destacando a importância da integração de saberes para um futuro resiliente e equitativo para todos.
As histórias inspiradoras de líderes como Kukuy Apurinã na Aldeia Kamapã ecoam no trabalho da Meli. Em cada projeto transformador, encontramos a força da inovação aliada aos saberes ancestrais, construindo um caminho para um futuro mais equitativo e sustentável. Este compromisso impulsiona nossa missão de apoiar iniciativas que transcendem fronteiras, promovendo resiliência, preservação cultural e desenvolvimento sustentável em comunidades ao redor do mundo.
One Reply to “Merenda com Matemática: Cultivando Conexões na Aldeia Amazônica Kamapã”