Um breve contexto histórico e relato da atual situação de violência na Amazônia.
Autor: Gabriel Costa
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Um pouco de contexto histórico
O ano era 2005. No Brasil havia um otimismo generalizado, havia bons motivos para isso. Passávamos por um inédito período de estabilidade política e econômica, com uma das primeiras transições democráticas com sufrágio universal, após os obscuros 21 anos de ditadura militar (1964-1985) e os conturbados 15 primeiros anos da nova República (período compreendido desde a nova constituição cidadã em 1988 até a eleição do líder de extrema direita Jair Bolsonaro, em 2018).
No Brasil havia um otimismo generalizado, havia bons motivos para isso.
O Brasil crescia economicamente, uma série de políticas de combate à pobreza, conduzidas desde a redemocratização e aprofundadas pelo governo de esquerda do então Presidente “Lula”, começavam a surtir efeito reduzindo as desigualdades históricas. Os movimentos sociais conquistavam espaço e entre as pautas mais relevantes estava a reforma agrária.
Nesse momento, de tanto otimismo, uma senhora gentil, a Irmã Dorothy, apelido da religiosa Dorothy Mae Stang, ajudava a conduzir projetos educacionais e de proteção ambiental na pequena Vila de Sapucaia, em Anupú, município paraense cruzado pela transamazônica. Mais uma empreitada em sua longa trajetória de lutas na Amazônia que remontava a longínqua década de 1970.
Entretanto, o trabalho da religiosa, que misturava emancipação política, educação e sustentabilidade e que viraria modelo para os “assentamentos sustentáveis”, incomodou aos fazendeiros e grileiros da região. A tirania do boi e da soja faria mais uma vítima: em uma encruzilhada a 53km da sede municipal, numa manhã de fevereiro, a freira americana foi assassinada. A punição ao mandante de seu crime só chegou em 2019, após 14 anos de impunidade.
O trabalho da religiosa, que misturava emancipação política, educação e sustentabilidade, incomodou aos fazendeiros e grileiros da região.
A tirania desafiada por Dorothy é herdeira das violências anteriores que marcam a ocupação do território amazônico. Em um processo temporal, a tirania da aristocracia Amazônica dos séculos XIX e início do século XX, que governava com mão de ferro os vastos castanhais, seringais e estancias, usando como ferramenta a escravidão por dívida, foi substituída nos anos 60, pelo terror de estado da Ditadura Militar e posteriormente pela tirania do Boi e da soja que avança, por meio da grilagem, sobre a floresta e a população amazônica.
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Nada de novo sob o sol equatorial
Pouco mudou nesses últimos 17 anos. Os assassinatos de defensores do meio ambiente, jornalistas e defensores públicos foi lugar comum por aqui. Alguns dos casos mais infames foram: o assassinato de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo moradores de Nova Ipixuna, no Pará (2011); o massacre de 10 posseiros em Pau d’arco, Pará (2017); o assassinato do líder indígena Paulinho Guajajara, na terra indígena Arariboia, no Maranhão (2019) (abordado por aqui também).
Pouco mudou nesses últimos 17 anos.
De fato, o ano de 2021, foi um dos mais violentos da história recente da Amazônia brasileira. Como indica o mais novo relatório parcial da Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão ligado à igreja católica que acompanha situações de violência no campo e violação de direitos humanos. Segundo o texto, 26 pessoas foram mortas como resultado de conflitos no campo, entre os meses de janeiro e agosto de 2021, a maioria (17) eram indígenas, quilombolas e trabalhadores sem-terra. Vale ressaltar que o maior número de assassinatos (9) se deu no estado do Maranhão, que abriga parte da nova fronteira agrícola do Agrobussines brasileiro, a região de cerrado entre os estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia (MATOPIBA).
Além dos assassinatos o relatório contabiliza também mortes relacionadas aos conflitos agrários, que totalizaram 103 no período. Assustadoramente, 101 dessas mortes foram de indígenas yanomamis e segundo as lideranças dos próprios Yanomami, 45 dessas mortes foram de crianças. Essa etnia, seus povos vizinhos e indígenas isolados em seu território, a Terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, estão sob ameaça real de genocídio provocado por uma “corrida do ouro” protagonizada por milhares de garimpeiros que invadem a área com conivência do estado Brasileiro.
As demais formas de violência contra as populações locais como: prisões arbitrarias, intimidação, humilhações, pistolagem, grilagem, destruição de posses, casas e plantações cresceu de forma exponencial e atualmente cerca de 418 territórios estão em situação de conflito. Desses a maioria (52%) são terras indígenas e quilombolas. Esses povos, juntamente com pequenos produtores, são os principais impactados pelo desmonte das políticas públicas por parte do atual governo de extrema diretia.
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O extermínio dos ecologistas
A Amazônia legal concentra a maior parte das violações de direitos humanos e assassinatos. E a maioria desses conflitos nasce da relação assimétrica entre: o avanço do capitalismo predatório na forma do agronegócio e a resistência das populações locais na forma da “ecologia dos pobres”. Esse termo faz referência as lutas por direitos, que surgiram nos países do sul global e tem a subsistência das populações tradicionais, a proteção do meio ambiente e a justiça social como princípios fundamentais.
A Amazônia legal concentra a maior parte das violações de direitos humanos e assassinatos.
Muitos dos ativistas mortos são, mesmo que não usem esse termo, pertencem a essa vertente política, já que suas lutas, mesclam a proteção das pessoas, da justiça social e do meio ambiente. Por isso, são justamente considerados um entrave ao “desenvolvimento” do agronegócio, que busca concentrar renda e terras, tendo sua principal fronteira a Amazônia.
O desafio dos ativistas a tirania do boi e da bala é punível com a morte, apesar da inexistência da pena capital no Brasil. Sobretudo, a região Amazônica está mergulhada em uma cultura de ilegalismo, ou a falta de aderência as leis nacionais, que favorece a impunidade dos autores e mandantes de assassinatos. Todos esses processos foram exacerbados nos últimos 3 anos, coincidindo com o respaldo fornecido pelo governo federal a grileiros de terra, garimpeiros e infratores ambientais.
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Um futuro possível
Apesar do histórico e do atual estado de violência na região um outro futuro é possível. Um novo futuro, o mesmo sonhado por Dorothy Stang e tantos outros ecologistas que morreram por esses sonhos, da Amazônia como um lugar de paz. Precisamos, através de organizações como a Meli, partidos políticos, movimentos socias e políticas de estado, lutar para que a lei se faça cumprir. Precisamos lutar também pela superação desse modelo de exploração irracional, feriando o agrobussines, incentivando a produção em pequenas propriedades, agroflorestas e a proteção do homem e da terra.
Apesar do histórico e do atual estado de violência na região um outro futuro é possível.
Imagem título: “De olho nós ruralistas“ por Priscilla Arroyio, editado por Ícaro Uther
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